Não tá tudo bem. E tudo bem

Você já parou para pensar quantas vezes desperdiçamos a oportunidade de dizer que não tá tudo bem. Quantas vezes essa pergunta chega até nós por pessoas que realmente estão interessadas em saber o que a gente está sentindo, quais as nossas angústias e frustrações, e a gente simplesmente diz sim por achar que essa é a resposta socialmente mais aceitável.

Com essa atitude, reforçamos a ideia de que o “Tá tudo bem?” é apenas uma pergunta retórica, sem sentido. Uma convenção social. E eu nem estou defendendo que a gente deva se abrir para todo mundo na primeira oportunidade que essa pergunta chegar até nós. É muito importante que a gente treine a nossa percepção e nosso discernimento para entender o que deve ser dito, e quem merece ser o receptor de tanta informação íntima e delicada. Em muitos casos, é recomendável que ela só seja dividida com um profissional.

Mas a resposta para o “Tá tudo bem?” pode ser um pedido de socorro, uma oportunidade de deixarmos claro que nem tudo está bem, e que precisamos de ajudar para mudar essa situação. É uma oportunidade de tirar a máscara de super-herói que a gente insiste em vestir de vez em quando, e mostrar que também temos nossas dores, nossos medos, e que uma mão estendida pode ser importante nesse processo de retomada das nossas vidas.

Em tempos de pandemia, crise política e demonstrações claras de intolerância, racismo e desvalorização da vida humana por parte significativa da nossa sociedade, é normal que o medo nos consuma e que a resposta para essa pergunta seja um “Não”. É compreensível que estejamos ansiosos e apreensivos demais para ver um “tudo bem” no fim do túnel. Não há nada errado em dizer que nem tudo está certo. Você pode não estar bem, e tá tudo bem.

Até logo, mãe!

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Oi, mãezinha.

Já tá descansando? Hoje foi um dia tenso, né? Muita gente que te ama veio prestar a última homenagem. Alguns vieram me dizer que você era uma super mulher, que era de ferro. Mal eles sabem que isso nem é verdade, né mãe? Você tinha suas fraquezas, seus medos, suas angústias. Mas você era batalhadora, uma guerreira. Além, é claro, de ser uma pessoa linda também. Mãe, hoje me perguntaram se eu queria me despedir de você pela última vez. Fui, mas apenas protocolarmente. A gente sabe que nossa despedida já rolou, né? Aliás, tá rolando tem uns anos. No período que estivemos lado a lado, dando apoio um ao outro nas muitas dificuldades que surgiram pra mim e pra você. Fico tão feliz quando lembro dos dias que ia te visitar de surpresa na escola, e você me recebia com um sorriso tão grande. E das vezes que você me pediu ajuda pra tocar os projetos, você lembra? A gente comemorava feliz da vida quando dava tudo certo, né? Você me fazia rir quando eu entrava no seu quarto a noite, e você demorava 15 segundos pra identificar se era eu ou o Pedro. Eu gostava de ficar lá deitadinho com você. Te observar assistindo tuas séries no Netflix. Séries, aliás, que você via em um dia, enquanto eu demorava meses pra terminar. E já que falei de despedida, mãezinha, não posso esquecer dos dias intermináveis que estivemos juntos na luta contra essa doença. Dias de exame, dias de quimioterapia, dias de consulta, estávamos sempre juntos. Ficávamos na sala de espera jogando show do milhão, lembra? Mas divertido mesmo era quando jogávamos abecedário. O Pedro tá até agora com raiva por ter acreditado no teu papo de que Filipenses é uma cidade. Ainda chamava a gente de povo sem cultura quando não conhecíamos os lugares que você inventava. Já tô com saudade de ser enganado por você, minha carequinha. Saudade do ovo do peitão, do “me liga quando chegar” , do “nem me ligou, né?”, das mensagens de bom dia do nosso grupo na família, do beijo enquanto eu dormia. Eita, dona Marilene. Essa saudade chegou tem pouco tempo e já me dominou. Ainda tínhamos tantos planos. A nossa viagem, o seu jardim, o nosso Natal. Vai ser difícil viver com ela. Vai ser difícil viver sem você. Mas se você tá bem, eu também tô bem. Cuida da gente aí de cima. Da um beijo na mãe Maria e no papai Alonso. Diz pro Sabazinho que esse lance de jornalismo é tenso mesmo. Aliás, curte teu amor aí. Ele devia estar com saudades também. Amo você, mãezinha. Amo tudo o que você foi pra mim, e tudo o que sempre será

O homem que não podia chorar

Por Andrés Pascal

Sentado à janela do ônibus quase vazio, João se distraía olhando o mundo que passava por ele naquela tarde. Tentava esquecer que aquela era a última viagem que faria na vida, e que o destino guardava a solução definitiva para suas angústias e lamentações. Ninguém naquele veículo poderia imaginar que aquele homem, aparentemente normal, era incapaz de chorar.

Na verdade, chorar ele até podia, mas isso era completamente desaconselhável. É que João nasceu com uma condição clínica muito peculiar. Sua pele e seu organismo eram totalmente sensíveis às suas lágrimas. Poucos segundos de choro causavam queimaduras graves no seu rosto, e as lágrimas rapidamente atingiam de forma nociva os seus músculos e órgãos, o que diminuía consideravelmente seu tempo de vida.

Foi difícil para ele lidar com isso no começo. O choro após o nascimento quase lhe custou a vida, e as lágrimas, tão frequentes na infância, lhe deixaram marcas permanentes no rosto. Mas João percebeu que precisava aprender a lidar com aquele problema, e foi exatamente isso que ele fez. À medida que crescia, seu cérebro foi criando um bloqueio a certas emoções, e o ato de chorar foi se tornando cada vez mais raro e sem sentido.

Ele começou a moldar a sua vida de forma a se esquivar de tudo que poderia lhe fazer chorar. Abandonou muito cedo o convívio com a família, com medo de perder entes queridos. Com menos de 20 anos, ele já vivia sozinho em um pequeno apartamento na periferia. Para não sucumbir à solidão, que também poderia lhe trazer lágrimas mortais, decidiu criar um animal de estimação. O escolhido foi uma tartaruga, que certamente viveria muito mais do que ele.

Da época de escola, João guardava lembranças nada emotivas. Evitou se relacionar com a molecada desde sempre. Não jogava bola, com medo de se machucar. Não matava aula temendo tomar broncas. Estudava muito para evitar frustrações. Sabia que assim venceria de forma plena seu principal inimigo. Passou imune à emocionante aprovação no vestibular de química, e atravessou a jornada acadêmica num misto de dedicação e seriedade.

Passou em um concurso e arrumou um emprego em um laboratório no centro da cidade. Gastava a maior parte do tempo trancado sozinho em uma salinha, tendo como companhia os tubos de ensaios. Evitou fazer amigos no ambiente profissional. Nunca reunia com a turma na hora do cafezinho, tampouco topava os convites para beber umas cervejas no bar da esquina. Aproveitava a monotonia do serviço público para vencer sua luta diária contra as emoções e as lágrimas.

É claro que João nunca teve uma namorada ao longo dos seus 40 anos, ou qualquer coisa que o valha. Não experimentou o prazer do sexo, seja com amor ou ocasional. Nunca se apaixonou, nem se decepcionou. Não levou um fora e nem arriscou um amor platônico. Diziam por aí que as consequências de uma desilusão amorosa poderia acabar com a sua triste vida em poucos minutos. Desse modo, João passou a vida inteira flertando com a indiferença e a solidão.

Como consequência dessas escolhas, ele também não teve filhos. Nunca soube como era a alegria de ver a cria dando os primeiros passos, ou falando as primeiras palavras. Não imaginava o prazer proporcionado por um abraço de criança, e nem a angústia de ver o filho doente, de cama. Quando se pegava observando os pais e filhos nas ruas, virava o rosto e atravessava a rua. Sabia por instinto que aquilo poderia ser nocivo a ele um dia.

João evitou ler romances, odiava música e só assistia filmes bobos, com histórias que não tinham lá tanta profundidade. Chico Buarque, Beatles, Shakespeare e Inarritú eram nomes proibidos em sua vida cultural. Especializou-se em besteiróis americanos, daqueles bem ruins, pra não correr o risco de chorar de rir. Eventualmente lia e assistia jornais. Ignorava as histórias tristes e notícias ruins, uma ótima forma de praticar sua indiferença. Depois ele percebeu que não era o único a fazer isso.

O ônibus breca em uma rua suja do Centro. João desce e caminha até uma casa com muro sujo e grades descascadas. O número era 333. Era lá mesmo. A ansiedade invade seu corpo, e ele começa a suar frio. Toca a campainha e espera longos 40 segundos, até que um homem barbado de jaleco branco aparece para abrir a porta. Era ele. Aquele era o homem que acabaria de vez com as dores da sua vida. E, de quebra, acabaria com a vida.

Enquanto andava pelo corredor da casa, João se lembrava de como tinha conhecido aquele rapaz. Foi há uma semana, em um bar bem próximo dalí. Cansado da sua vida de abdicações, e sob efeito de álcool, João puxou assunto com o barbudo que bebia ao seu lado. Contou a história da sua vida para o “novo amigo”, e confidenciou que gostaria de acabar com aquela maldição, ainda que isso lhe custasse a vida. O homem misterioso ouviu atentamente, e prometeu ajudar.

Chegando em um consultório frio da velha casa, o homem barbudo sorrio um sorriso frio e perguntou se João tinha certeza do que queria. Com toda frieza do mundo, ele disse que sim. O homem fechou a porta do consultório e abriu uma gaveta. De lá, tirou duas folhas de papel, e pediu que o “paciente” lesse todo o texto. Sem entender, João percorreu o manuscrito e logo percebeu que aquele texto, que parecia um conto, se tratava unicamente dele. Era a história de sua vida e suas abdicações. Essa mesma que você está lendo agora, amigo leitor.

João percebeu que sua luta pela vida era também um sacrifício doloroso e sem sentido. Que abriu mão de prazeres e alegrias em prol do que ele acreditava ser mais importante. As lágrimas começaram a cair e queimar o seu rosto, mas a dor não lhe incomodava. Ele continuava lendo, compenetrado. A cada palavra, mais lágrimas caíam, mais dor ele sentia, e mais prazer também. Quando terminou o texto, João olhou para o homem e sorriu um sorriso triste. Sentiu vontade de abraçar seu libertador, de dizer que o amava. Mas não deu tempo. João caiu sem vida no meio daquela sala, embora soubesse, naquele momento, que sem vida ele já estava desde que nasceu.

Fotografar é preciso

Sempre fui muito apaixonado por fotografia, mas por muitos anos negligenciei essa paixão aqui no Agridoce. Nunca fui fotógrafo profissional. Nem sequer tenho uma câmera profissional. Mas, sempre que posso, arrisco fazer algumas fotos com câmeras amadoras e até mesmo com o celular. Só que essas fotos nunca vieram parar por aqui. A maioria tá guardada em alguma pasta velha do meu computador, esquecida no limbo da minhas lembranças.

As coisas mudaram a partir do momento que conheci o Instagram. A ideia de uma rede social apenas com fotos me deixou empolgado. Tanto para fazer as minhas fotos quanto pra ver a produção dos meus amigos. De uns tempos pra cá tenho postado material quase que diariamente, e isso tem me motivado a produzir mais. Agora decidi compartilhar parte dessas fotografias também com os leitores do Agridoce, e eu espero que todos gostem.

Minhas primeiras fotos postadas serão da viagem que fiz a Parintins (AM), na Semana Santa, pra visitar a minha família. Confiram!

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Quem estiver interessado, pode me seguir no http://www.instagram.com/andrespascal

Aquela lição de Eclesiastes…

No dia 8 de maio de 2008 eu escrevi um post nesse mesmo blog pra contar que eu havia passado no concurso da Suframa, e que estava na expectativa de uma convocação breve. Pois bem, breve ela não foi. Cá estou eu, três anos depois, para anunciar que já estou atuando em minha nova função do novo emprego.

Nem quero entrar em detalhe com relação aos motivos de tanta demora. Este nem é o verdadeiro objetivo deste post. A verdade é que tudo isso me fez refletir pro tempo exato das coisas, e da incapacidade do ser-humano de entender o andamento das coisas quando elas não acontecem da forma que desejamos.

De 2008 pra cá, muita coisa aconteceu na minha vida. Pessoas importantes entraram e saíram dela, aceitei e venci alguns desafios, ri e chorei por centenas de milhares de vezes. Coisas boas e ruins que julgo importante para o meu amadurecimento, para a construção do meu caráter, da minha experiência profissional e vivência.

Profissionalmente eu enfrentei a intensa e apaixonante vida de redação de jornal. Lá no Commércio, no Em Tempo e, por fim, no Portal D24AM. Fui repórter pra aprender a escrever com clareza, pra sempre encontrar a informação mais importante em cada fato, pra sempre ter perguntas qualificadas para os entrevistados, e buscar o diferencial.

Como editor do Portal, busquei o equilíbrio e mais conhecimento. Tive que aprender a liderar, a ponderar, a estudar (isso é algo que não podemos abandonar nunca). Conheci pessoas importantíssimas na minha vida, que me ajudaram nesse processo. Começar a citar colegas de trabalho que viraram grandes amigos é um convite à injustiça. Então, prefiro agradecer e acreditar que cada um de vocês vai ler esse texto.

Lembro que na época do resultado do concurso fiquei desesperado para ser chamado. Parecia a solução ideal para muitos problemas. Mas a convocação não veio. Se em 2008 eu tive dificuldade em entender tudo isso, hoje tudo me parece claro. Eu tinha que viver todas as experiências, meus amigos. Tinha que pular de cabeça na redação. Aprender com pessoas especiais e amadurecer para profissão. Agora chego aqui preparado e ainda mais feliz.

Então vamos em frente. Vamos com força, vamos com fé. Mas se tiver que esperar um pouquinho, se tiver que tirar o pé do acelerador, se tiver que ter paciência, eu terei. Meu grande avô citava Eclesiastes 3:2 pra me ensinar essa lição, mas, cabeça dura como sou, eu só aprendi com a vida. “Há tempo de nascer, há tempo de morrer. Há tempo de lutar e tempo de arrancar da terra o que se plantou”.

Obrigado, Sócrates

Como quase todo mundo da minha idade, sofri uma influência grande do meu pai para torcer pelo time que ele também idolatrava. No meu caso, Graças a Deus, esse time era o Corinthians. O que a gente não costuma saber é o motivo que levou nossos pais a tomar tal decisão. No meu caso, no entanto, não há dúvida. A culpa toda é do Sócrates.

Pra explicar essa minha dedução, tenho que falar um pouco do meu velho. Comunista, revolucionário, fiel até hoje às causas que acredita e defende. Usou o teatro contra a ditadura, gritou pelas Diretas Já!, pintou minha cara e me levou no colo, ainda moleque, para as passeatas que pediam o “Fora Collor”.

Mas meu pai era apaixonado por futebol, e encontrou em Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira um ídolo para dentro e fora dos campos. Inteligente como só ele, o “Doutor” comandou uma transformação no meu Corinthians, que jamais foi vista em outro time de futebol no mundo. Coisa de revolucionário.

A democracia corintiana pregava o respeito aos jogadores, e o espaço para que eles tomassem as decisões no clube. Parece claro. Como mola mestra de uma máquina chamada ‘clube de futebol’, nada mais justo que dar voz e voto a eles. Não tão claro assim, pelo jeito, afinal, até hoje é difícil ver algum setor do país que respeite essa relação de trabalho.

Sócrates também emprestou seu prestígio em defesa das ‘Diretas’. Meu pai deveria assistir seus discursos na televisão transbordando de orgulho. O Magrão condicionou sua permanência no Brasil à aprovação da emenda que garantia o voto direto. Como não foi aprovada, ele optou por um exílio um pouco mais democrático na Europa. Aposto que não tão fácil, pra um cara que tem brasileiro até no nome.

Cresci ouvindo essas histórias por parte do meu pai. Cresci aprendendo a respeitar aqueles que lutaram por causas maiores que o seu próprio ego. Cresci amando cada dia mais o Corinthians, o pavilhão alvinegro, a fiel torcida corintiana, o Doutor Sócrates, e o meu pai.  Cresci sabendo que ser corintiano é muito mais complexo do que se imagina.

Hoje o Corinthians pode comemorar mais um título brasileiro. Mais um de sua bela história. Mas o Doutor não estará aqui pra comemorar. Ele decidiu partir antes, só pra ser diferente, só pra revolucionar. Como seus passes de calcanhar, que abrilhantaram um dos mais belos capítulos da centenária história do Timão. Mas, onde ele estiver, espero que ele receba minha gratidão por uma das maiores alegrias da minha vida. Ser corintiano.

Obrigado, Doutor

Quem curte uma pelada gostosa?

Hoje quero falar sobre o tradicional Futebol de Quinta-Feira. Este evento que nasceu nos campinhos de pelada de Manaus para contribuir com a agregação humana, ou segregação, dependendo do nível de agressividade sofrido pelos praticantes desta modalidade.

A idéia e os objetivos são bem parecidos com o do futebol comum. Visualmente, no entanto, pouco se assemelham. No Futebol de Quinta-Feira, que também é conhecido como Pelada ou Pébol, vale absolutamente tudo. Chutões, caneladas, catimba…só não vale esquecer de citar o nome da mãe do adversário na hora da provocação.

E o evento acontece na quinta-feira por um motivo estratégico. Com as partidas do Campeonato Brasileiro encerradas, os boleiros que torcem pros times vencedores têm a oportunidade única de zoar com aqueles que saíram derrotados. Cabe ao perdedor inventar as mais estapafúrdias desculpas para tentar justificar o mal rendimento do time.

Aliás, contar vantagem e inventar desculpa é com o boleiro mesmo. Em todo campinho de pelada tem aquele que chega arrotando talento digno de Ronaldo Fenômeno, e terminam a noite com um desempenho pior que o do Val Baiano. Aí tem que dizer que ta cansado, que trabalhou o dia todo ou que resolveu dar uma chance pros adversários.

Outros personagens também brilham nesse palco bizarro do pébol. Tem o cara que só chega bêbado, e sempre vira piada entre a galera com suas quedas absurdas e lances bizarros. Tem o galã, que chega todo equipado, com chuteira brilhando, e nunca joga bem. Tem também o reclamão (ou dono da bola), que nunca aceita uma derrota.

Não podemos esquecer de citar o craque. O boleiro que realmente joga bem. Solidário e humilde, ele nunca faz alarde, mas impressiona com seu futebol. O coitado, porém, sofre bullyng e é boicotado. Só é convidado uma vez. Duas no máximo. É que, para os perebas, sempre há de se prezar pela manutenção do nível amador.

E os corneteiros do time fora? Passam a noite toda sem ganhar uma partida sequer. Mas não deixam de criticar os times que estão em campo. Secando e rindo em cada jogada errada, estas hienas só ficam caladas quando levam uma bolada “acidental”, ou ouvem o famoso “Quem é que ta fora mesmo, einh?”

O futebol é algo sagrado para os boleiros. Quase um segundo lar (para alguns, o primeiro). Tanto que parte deles aproveita para levar mulheres, namoradas e peguetes para o pébol. O objetivo é fazer com que as pobres torçam por eles. Elas, no entanto preferem ignorar o evento e tricotar conversas infindáveis entre sí. Além de garantir é claro, que a “pelada” que apaixonou os seus homens é inofensiva e sem curvas.

*O nome do evento utilizado no texto é influenciado pela vivência do autor, mas pode ser adaptado para qualquer dia da semana.

"O cara" da minha vida

Foi naquela tarde de quarta-feira que descobri os efeitos colaterais da ansiedade. As mãos suadas, o frio na barriga e as pernas irrequietas eram perceptíveis em mim por qualquer pessoa que estivesse naquele aeroporto.

Eu tinha pouco mais de 13 anos. Sem forças para lutar contra os adultos que se espremiam para observar além do vidro do portão de embarque. Ainda assim, consegui arrumar um lugarzinho para a minha testa proeminente, e esperei.

Não foi fácil identificá-lo após tanto tempo. Quando saí de Brasília ele ainda nem tinha dentes. Sua forma de interação com as pessoas à sua volta era limitada a grunhidos, sorrisos e a baba no travesseiro (que sempre significava alguma coisa).

Mas, no momento em que o ví, as dúvidas sumiram. Era ele. Quase escondido em uma roupa de frio, com olhos grandes e negros, uma cara de susto e vislumbre pelo novo ambiente. Ainda no colo da minha mãe, de quem eu também tinha especial saudade.

Da esteira de bagagens até a porta, o percurso parecia uma eternidade. Aproveitei pra lembrar de todo o período que fiquei longe da pessoa mais importante da minha vida. O meu irmão. Pensei nos delicados motivos que me fizeram sair de Brasília, e da força e motivação que a existência dele representava para mim em terras desconhecidas.

Quando ele chegou até mim, e eu pude tocá-lo, senti que tudo aquilo fazia parte do passado. Experimentei pela primeira vez o abraço e o beijo daquele molequinho que havia passado tão pouco tempo ao meu lado, mas que representava tanto pra mim.

Mais de 15 anos depois, esse amor cresceu absurdamente. Hoje a minha vida está ligada diretamente à vida do Pedro Henrique, o Pedrinho. Passamos juntos momentos de extrema alegria, e também muitas tristezas que ousamos superar.

Ele é meu porto seguro, a minha fortaleza. É quem continua cedendo o colo quando preciso. É quem não sai de casa antes de me dar um beijo de bom dia. É quem sempre sabe quando eu não estou bem, e está sempre pronto pra ouvir lamentações.

Admiro o homem corajoso que ele se transformou. Que superou a perda de um pai, e segurou com categoria o sofrimento dos conflitos familiares. Tem milhões de defeitos, mas que ficam QUASE imperceptíveis diante da nobreza.

Tem horas que me acho tão pequeno ao lado dele. Que tudo o que faço é pouco pra retribuir o bem que ele me faz. Às vezes pareço priorizar responsabilidades profissionais. Mas a verdade é que é ele a minha grande prioridade.

Hoje eu só posso agradecer pela pessoa maravilhosa que ele insiste em ser, mesmo com toda a influência negativa que a vida nos impôs em alguns momentos. Corajoso, forte, fiel, sincero, amoroso e feliz. Acima de tudo, feliz. Obrigado, maninho.

1994 Fellings

Em 1994 eu tinha dez anos, e vivia a experiência de torcer pela primeira vez em uma Copa do Mundo. Torcer de fato. Mas naquela época meu mundo era bem diferente do que é hoje, e eu vou explicar porque:

Em 94 eu estava de férias da escola, e não possuía nenhuma atividade laboral.

Em 94 os dias de jogos do Brasil eram sagrados. Minha única obrigação era comer e torcer para a seleção. (ponto para 94)

Em 94, mesmo sem emprego, a molecada do bairro arrumava dinheiro para comprar bandeirinhas e tintas para enfeitar as rua.

Em 94 passávamos a madrugada pintando o asfalto e subindo em poste para amarrar fitinhas. Fazíamos isso numa boa.

Em 94 eu não me importava em usar uma blusa toda colorida comprada pela minha vó na Marechal Deodoro.

Em 94 minha vó estava aqui comigo. (que ponto para 94)

Em 94 a gente jogava futebol na rua, antes e depois dos jogos.

Em 94 minha família e amigos mais próximos se uniam para assistir os jogos.

Em 94 eu nem tinha namorada ainda. Quanto menos um amor (ponto para 2010)

Em 94 o mundial era no mesmo continente. Só mudava o hemisfério. Logo, o horário do jogo era bem mais vantajoso.

Em 94 eu não tinha meu maninho comigo. (que ponto para 2010).

Em 94 nós tínhamos o Romário em campo, e o Dunga era, no máximo, capitão.

Em 94 os times africanos não assustavam tanto.

Em 94 não existiam as vuvuzelas

Em 94 nós fomos campeões.

O Rio

O rio passa correndo e leva com força o que há pela frente.

Mato, barranco, capim vão embora indiferente.

Leva planta. Leva galho, leva folha, leva flor, pra alegria poética do autor.

Destruidor, leva sonhos, leva vida e leva amor. Tão rápido quanto chegou.

Jamais para! O rio apenas avança. Troca de nome quando precisa, e se lança.

Esfria com a água da chuva, ou esquenta com a lua. Mas ele sempre continua.

Negro ou barrento, o destino é o mesmo. Destino nenhum.

E a flor? e o sonho? e o amor? Onde ficou? Alguém pegou?

Ficou pra quem não se acovardou. Pra quem nas suas águas se jogou.

O rio transforma vidas com as vidas dos outros. Que bom que ele não parou.